Sabe o que é Mindful Eating?
“Podemos comer com amor, sabendo que somos cuidadores do nosso corpo, em vez dos seus donos” (Thich Nhat Hanh, em “How to Eat”)
Sabe aquele momento em que chega a casa, depois de um dia em que não parou um minuto, em que comeu “qualquer coisa” ao almoço e ainda foi ao ginásio e às compras?
Entra em casa, poisa tudo e dispara para a despensa onde apanha o primeiro pacote de bolachas que devora uma a seguir à outra; a seguir abre o frigorífico e tira duas fatias de queijo para por dentro de um pão (que até só comprou por causa dos lanches dos miúdos); enquanto come o pão, tira da caixa mais umas amêndoas de chocolate que sobraram da Páscoa, e vai comendo enquanto arruma as compras e começa a fazer o jantar.
Em 10 minutos, ingeriu muita comida com pouca qualidade e que não o(a) faz sentir nutrido(a)/saciado(a). Sente-se frutado(a) por esse episódio repetido quase diariamente, e irritado(a) consigo por ter comido tanta “porcaria” de forma inconsciente.
Ou, lembras-se da última vez que resolveu almoçar em frente do computador para despachar os e-mails? Quando olhou para a marmita o almoço tinha, miraculosamente, desaparecido e continuava com fome. Tanta fome que até foi buscar um bolo à pastelaria, ficou à conversa e demorou mais tempo do que aquele que poupou a ver os e-mails enquanto almoçava. Que frustração…
Ou lembra-se da discussão que teve com os seus colegas numa reunião difícil, e quando terminou chegou ao gabinete e abriu o pacote de bonbons que lhe tinham dado (e que tinha só para oferecer a alguém que o visitasse) e comeu de seguida metade da caixa? Lembra-se que a calma inicial que sentiu desapareceu de imediato e só lhe apetecia chorar?
Ou lembra-se daquela sardinhada com a família em que comeu uma dúzia de sardinhas, entre pão, batatas, salada, vinho, melancia, uvas, conversa, enquanto alguém insistia para comer “só mais isto”? Agora até se enjoa só de se lembrar da quantidade enorme de comida que foi capaz de ingerir e que o fez sofrer 2 dias com problemas digestivos.
Não sei se se identifica com alguma das histórias anteriores, ou até se tem mais umas para acrescentar. No meu caso, alguns episódios podiam fazer parte da minha história passada, claro que com alterações, mas sei que são comuns a muitas pessoas.
Adicionalmente, para muitas de nós mulheres, a perseguição do “corpo perfeito” (como se o seu corpo não fosse perfeito) arruinou a nossa capacidade de comer com prazer, e muitas vezes comer é mais um exercício de matemática (contar calorias) do que um ato de amor para connosco próprios. E comer é um ato de grande intimidade e de amor.
Nas sociedades mais desenvolvidas, onde existe mais oferta de comida, comer tornou-se tão insatisfatório (e até odioso) para tantas pessoas. Como é que isto é possível?
A indústria alimentar e o marketing tentam facilitar-nos a vida com comida pré-preparada com rótulos “saudável”, até fruta descascada e partida já se vende. No entanto, parece que o resultado é contrário, e os problemas relacionados com transtornos alimentares não param de crescer. Já pensou nisso?
Muitas vezes não é tanto o que comemos, mas a forma como comemos que condiciona a nossa saúde física e emocional. Comer distraídos ou condicionados por pensamentos e críticas internas são factores que despoletam frustração, tristeza, infelicidade, desconforto e até raiva dirigida a nós próprios e aos alimentos.
É necessário re-aprender a comer? Sim, para todos aqueles que sentem que têm problemas com a comida, por comerem compulsivamente ou por outros motivos, para todos aqueles que se sentem condicionados por crenças incutidas aos longo dos anos e que não reconhecem como sendo suas, e para todos aqueles que querem estar presentes num momento tão íntimo que é o de nutrir o seu corpo.
Mindful Eating
Ao almoço come apenas a tua refeição e não os teus medos e preocupações. Não comas o almoço à secretária. Muda de ambiente. Sai para dar um passeio. – Thich Nhat Hanh
Primeiro, e antes de falar sobre mindful eating, que se pode traduzir como “comer com atenção plena”, “comer atentos” ou “comer despertos”, é necessário falar de mindfulness ou Atenção Plena.
A Atenção Plena é uma capacidade que todos temos de prestar atenção deliberadamente ao momento presente, completamente conscientes ao que se passa dentro de nós (corpo, coração e mente) e ao que se passa à nossa volta.
Esta consciência existe sem julgamento ou crítica, sendo estas duas atitudes fundamentais quando queremos comer com Atenção Plena, em que apenas estamos a observar de forma curiosa e aberta as emoções e sensações que surgem enquanto comemos.
Infelizmente, esta capacidade de Atenção Plena, que devia ser natural em todos os seres humanos, está em extinção, principalmente junto das comunidades com maior desenvolvimento económico. O próprio ato de comer deixou de ser um momento de paragem, e a inconsciência é tal que somos capazes de consumir quantidades brutais de alimentos sem darmos conta, sem saborear, sem agradecer, sem respeitar o nosso corpo.
O mindfulness quando praticado e vivido com constância traz uma nova vida à nossa vida, em todos os aspectos. Thich Nhat Hanh chama-lhe um milagre, e não é menos do que isso. As investigações científicas na área têm provado que o mindfulness é sem dúvida uma ferramenta com resultados brilhantes em diversas áreas de saúde, quer psicológica quer física.
Comer com Atenção Plena é um exercício de mindfulness, que podemos fazer sempre que comemos, mesmo que seja apenas um bago de uva, uma avelã ou uma chávena de chá.
Desde que fiz o curso de Redução de Stress Baseado em Mindfulness, MBSR TTI 1MBSR TTI: Mindfulness-Based Stress Reduction Teacher Training Intensive, e o de Macrobiótica 2Curso Anual de Macrobiótica, Saúde e Auto-Transformação (3 anos) que este tema concreto de comer de forma consciente me apaixona.
Na macrobiótica, talvez pelas suas raízes orientais e pela importância dada à alimentação para a manutenção da saúde, o ato de comer é sempre em atenção plena. Comer com gratidão, mastigar bem, comer sempre sentados num ambiente calmo, fazer do acto de comer um ritual sagrado e de intimidade para com o nosso corpo, foram coisas que sempre ouvi da boca do meu querido Professor Francisco Varatojo.
Estes dois cursos juntos, a prática diária formal e informal de mindfulness e a leitura de livros sobre o tema, como o da Monja Zen Jan Chozen Bays 3Mindful Eating: A Guide to Rediscovering a Healthy and Joyful Relationship with Food e do Monje Budista Thich Nhat Hanh 4Savor: Mindful Eating, Mindful Life, mudaram a minha forma de me relacionar com a comida.
Não foi de um momento para o outro que isto aconteceu. Aquilo que ouvi dos meus pais durante anos (“não podes deixar comida no prato”, “come depressa”, …); o que a sociedade me impõe com um marketing alimentar impiedoso na rádio, televisão, cinema, cartazes, internet, (sabia que a maior fatia do orçamento da maioria das grandes indústrias alimentares é para marketing? E a que vem a seguir é para investigação sobre a forma a tornar os alimentos aditivos?); a imagem que fui construindo de mim própria (“estou gorda”, “sou viciada em açúcar”, “não consigo comer devagar”, “odeio o meu corpo”,….) entre muitos outros condicionamentos, não desaparecem rapidamente.
Mas foi possível ir descobrindo, através da prática de alimentação consciente, como é que fui condicionada, iluminar esses condicionamentos e escolher apenas os valores que me fazem sentido. É um processo de libertação lento, nem sempre fácil ou sem dor.
Com o mindful eating descobri também que existem vários tipos de “fomes”. Nem sempre comemos porque o nosso corpo está a precisar de alimentos, e o tipo de alimentos que escolhemos depende do tipo de fome que temos. Com esta consciência comecei a fazer opções diferentes, em alguns casos comendo alguma coisa, e noutros casos dando ao meu corpo o que ele realmente estava a pedir (descanso, atenção, um abraço, água, …).
Se quiser uma lista de coisas práticas por onde podem começar, deixo aqui as que me parecem mais importantes e fáceis de começar sem orientação:
- Coma sempre sentado(a) (mesmo que seja apenas uma fatia de maçã).
- Quando comer desliga a televisão, afaste-se do computador e esqueça o telemóvel. Coma apenas, com toda a sua atenção e disponibilidade para receber a comida que o vai nutrir.
- Antes de começar a comer pare um pouco, tome consciência da comida e agradeça. Agradeça com consciência.
- Mastigue bem. Para tornar este exercício mais fácil, tome bem atenção à primeira coisa que meta à boca e mastigue-a muito bem. Normalmente a primeira garfada dita o ritmo do resto da refeição.
- Pouse sempre os talheres. Não coloque mais nada na boca sem ter acabado de mastigar e engolir.
- Sirva-se de pouca quantidade de comida, e repita apenas se sentir que tem mesmo capacidade de comer mais. Ouça o seu corpo não a sua cabeça.
- Logo que sinta que está a ficar cheio(a), pare. Não precisa de comer mais.
- Quando estiver com muita fome, antes de ir buscar comida pergunte-se de que é que tens fome.
12 Responses
Grata pela sua publica??o , os seus ensinamentos trazem sempre um abrir de horizontes, e realidades, que nos faz bem ler e refletir. Um abra?o.
Obrigada Maria Ot?lia. Um abra
Obrigada Dulce. Artigo fant?stico.
Bela
Obrigada 🙂
encontrei-me hoje com este blog…uma colega com quem comecei a ter mais intimidade falou-me de ti e desta forma t?o especial, espiritual de estar na vida..come?ando com o simples ato de comer…grata pelo artigo!
Muito obrigada pelo coment?rio Alexandra 🙂
Valeu mesmo a pena ler o artigo. Revi-me, refleti e lembrar-me-ei dele muitas vezes. Sem promessas de o praticar todos os dias, mas ficar?(s) no meu pensamento 🙂
Um beijinho S?nia e obrigada 🙂
Documentário serviu para;
Esclarecer percepções e hábitos que ao ser humano nunca deixaram de existir. Apenas estão adormecidos através de ondas de marketing enganadoras e distorcidas.
É preciso voltarmos às origens, ao intemporal, aquilo que eventualmente nos faz seres humanos mais fortes, conscientes e felizes! Assim sendo, terá que começar por mim, primeiro:
– Fazer boas escolhas em todas as áreas da minha vida!
Bom dia Paulo
Obrigada pelo comentário e observações.
A vida é mesmo feita de escolhas a cada momento, e escolhemos sempre, quer estejamos conscientes disso quer não.
Um abraço
Dulce
Gosto da sua maneira simples, direta, verdadeira e quando digo verdadeira, é que, sente se que diz e faz o que nos está a transmitir e mais sem fundamentalismos, expoe as suas ideias, o seu caminho, a sua forma de viver, bem haja beijinhos
Olá Margarida.
Obrigada.
Eu não consigo falar daquilo que não experimento. Obrigada por estas palavras.
Um beijinho
Dulce