Neste artigo vou começar por falar de pandemia e vou terminar a falar de Macrobiótica. Vão perceber porquê.
A Pandemia trouxe-nos uma profunda transformação. Conscientemente ou inconscientemente fomos e estamos a ser transformados. Seria muito bom se conseguisse trazer à consciência o que lhe aconteceu ou lhe está a acontecer.
Digo isto, mas eu só agora consigo ter distância suficiente dos acontecimentos para me permitir escrever esta partilha.
Com mais ou menos resistência a quarentena e o distanciamento social transformaram-nos a vida. Embora nem todos tenhamos ficado doentes ou perdido pessoas queridas nesta fase, as mudanças devido a este novo vírus foram transversais e atingiram-nos a todos.
Por isso, vou partilhar um conjunto de questões num documento que pode descarregar no fim do artigo. Pode utilizá-lo noutras alturas em que se sinta com dificuldades em dizer sim à realidade como ela se apresenta.
Emoções como sinais
Acredito que todos passámos nesta fase por muitas emoções normalmente chamadas de “más”: medo, a ansiedade, tristeza, desespero, raiva… As emoções são apenas sinais que nos ajudam a perceber o movimento interno que surge como resposta a um estímulo externo. Em si não são más nem boas.
Vejo sempre a emoção que aflora numa determinada situação como um sinal. Como aqueles sinais que existem nos automóveis, para indicar que a gasolina está a acabar ou que os travões estão gastos. É mau ter esse sinal? Não, até pelo contrário, porque se estivermos atentos sabemos que teremos de fazer alguma coisa para resolver o que deu origem ao problema. Colar fita-cola preta em cima do sinal que indica falta de gasolina não lhe faz sentido, pois não?
Se me está a ler, talvez ainda não tenha sido capaz de verbalizar/escrever o que se está a passar-se consigo ou se passou nestes últimos 5 meses, mas no final deste artigo vou pedir-lhe para fazer essa reflexão por escrito, e vai perceber o porquê conforme for lendo.
A mudança dói
Mudar dói, mas pode salvar-nos a vida. Digo isto de forma séria, porque desde que comecei a ter mais consciência da minha vida antes da quarentena, no início da quarentena e agora, percebi que o ritmo a que sujeitei o meu corpo físico, mental e espiritual não era sustentável. A minha capacidade de resistência e de sofrimento é enorme e, por isso, vivi demasiado tempo acima das minhas possibilidades. Não estava infeliz mas estava exausta sem o saber.
É com a humildade de quem está a aprender que partilho o que se segue.
Quando olho e reflicto, não sei como sobrevivi, e tenho imensos pensamentos de gratidão para comigo, para com o meu corpo, mente e espírito.
Antes de começar a quarentena
- Estava num pico de trabalho na Instituição de Ensino Superior (ES) onde dou aulas. Este é o trabalho que me leva cerca de 40h/semana.
- Fazia pão para vender, o que me obrigava a levantar antes das 5h da manhã, para amassar e para cozer o pão.
- Estava como Assistente do terceiro ano do curso de Macrobiótica no Instituto Macrobiótica de Portugal, o que fazia que um fim-de-semana por mês fosse passado em Lisboa em aulas.
- Estava a dar imensas formações, Workshops de Pão, de Macrobiótica e não só, e consultas de Orientação Alimentar e de Estilo de Vida.
- Treinava 4 vezes por semana numa Box de Crossfit e estava continuamente a superar-me, quer em tempo de execução dos treinos, quer em volume de carga. Ia treinar à hora do almoço, para não prejudicar a família nem o trabalho.
- Mantinha uma casa grande e uma família com três filhos, com todas as responsabilidades e volume de trabalho inerentes a isso.
Quando começou a quarentena
Tentei a todo o custo manter o mesmo ritmo, porque me foi exigido, e porque não tinha consciência daquilo a que me estava a sujeitar. Não queria mudar! Não conseguia parar. Nessa altura, ainda acumulei:
- A adequação das Unidades Curriculares que estava a leccionar nesse momento, para o Ensino à Distância (EaD).
- Fiz cursos de formação para docentes que me foram oferecidos pela minha Instituição para aprender as melhores ferramentas de EaD. Toda a minha forma de pensar o ensino e de estruturar as aulas foi alterada. Foi difícil e exigiu da minha parte um esforço de tempo e disponibilidade imensos.
- Passei a ter os filhos em casa 24h/dia, cada um com as suas aulas, a precisarem de apoio.
- A Box de treino fechou, mas comecei a correr no meu bairro, várias vezes por semana.
- Continuei a fazer pão para vender e podem ler sobre a minha história com o pão seguindo este link: https://milgraos.com/9-atitudes-do-mindfulness-e-a-minha-historia-com-o-pao-de-levedacao-natural/
Viver acima das possibilidades
Quando se fala em viver acima das possibilidades, pensa-se logo em dinheiro, certo? Esquecemos-nos que mais importante do que o dinheiro, é o nosso corpo.
Antes da quarentena e no início da mesma, eu estava claramente a viver acima das minhas possibilidades (faço-o com alguma frequência) e estava a resistir à mudança, porque mudar dói, mesmo que a vida que levamos nos esteja a matar. Preferimos a cegueira do que conhecemos, a abrir os olhos e reconhecer o que não queremos ver. Arranjamos 1001 desculpas para não mudar.
Acho que fisicamente resisti tanto tempo porque nunca deixei de comer bem e porque mantive sempre prática de meditação. Mas estas duas coisas não devem ser usadas para irmos além do limite, devem ser usadas para nos mantermos em equilíbrio.
Quando olho para trás vejo-me a correr para um precipício sem que ninguém me conseguisse parar.
Lições do confinamento
Principalmente neste último mês o confinamento permitiu que eu reflectisse na direcção em que estava a ir. Parei de fazer várias coisas e foi essencial que o fizesse. Hoje não sou a mesma. Mudei prioridades e redireccionei a minha vida.
Por isso, decidi ter mais cuidado comigo, diminui o ritmo de trabalho, diminui a intensidade e frequência dos treinos (decidi não voltar à Box), aumentei o tempo de meditação, voltei a ter prática de gratidão e de journaling diários, tenho mais atenção à minha família sem tentar ser uma super-mãe, re-aprendi também a dizer que não (que é uma aprendizagem que tenho que repetir muitas vezes), comecei a cozinhar a pensar nas minhas necessidades, e não só nas da minha família, e passei a pedir mais vezes ajuda.
A visão do meu propósito e daquilo que faz a minha alma feliz clarificou-se quando parei.
A sua experiência é de certeza muito diferente da minha, eu apenas contei o que se passou comigo para clarificar o que quis dizer: mudar pode salvar-nos a vida.
A coragem de mudar
É essa a questão que lhe faço: esta transformação da nossa realidade, a quarentena, o confinamento, o distanciamento físico, … em que é que a transformou? Que direcção está a dar à sua vida?
Depois do que vivi, hoje entendo as pessoas que se estão a matar por fumarem, comerem demasiado (e mal), consumirem substâncias químicas (incluindo cafeína) que lhes permitam manter um alto nível de produtividade e de actividade, etc. Sabem que se estão a matar mas não conseguem parar, e arranjam todas as desculpas válidas para não mudarem.
Em algumas das minhas consultas costumo dizer que me podem contar tudo, porque não me vou escandalizar nem julgar. Isto porque já fiz tantas coisas erradas na vida, que não posso julgar ninguém: escuto e tenho uma grande reverência pelas pessoas que me procuram e pelas suas histórias. Gosto muito de acompanhar pessoas em processos de mudança.
Dizer “Sim” à realidade
Talvez durante a quarentena se tenha apercebido da dificuldade em aceitar o que se está a passar. Da não aceitação pode ter nascido revolta ou resignação.
Quantas vezes se perguntou nos últimos meses: porquê isto? Porquê agora? Porquê comigo?
A transformação da realidade só ocorre quando aprendemos a dizer “sim” a essa realidade. Este sim não é de resignação, mas o sim de quem está disposto a deixar-se transformar.
Entretanto, comecei a trabalhar mais com a fase da menopausa, encontro-me muitas vezes com a sabedoria de quem se deixa transformar pela realidade de um corpo em plena transformação. Por quem não procura calar os sinais com a tal fita-cola preta, usando a medicação para tratar todos os sintomas. Por quem ama cada transformação e não a vê como perda, porque se amarmos a vida, ela vai amar-nos de volta.
As transformações exigem da nossa parte Presença, Atenção à nossa Alma, exigem que sejamos o Capitão do nosso próprio Barco.
Estamos em constante transformação
Não é necessária uma pandemia, a quarentena, a menopausa para estar em transformação. Todos os dias, se soubermos dizer sim à realidade, somos transformados.
Trazer isto à consciência, sem julgamento pelas vezes que resistimos ou pelas que desistimos, é uma ferramenta poderosa.
Passamos a ter mais clareza sobre aquilo que nos move profundamente. Para onde é que a minha alma me empurra?
As 5 Transformações
Se estou a falar de transformação, tinha que falar de Macrobiótica. Na Macrobiótica em vez de falarmos em 5 elementos, como na Medicina Tradicional Chinesa (MTC), falamos em transformações, (embora muitos professores de macrobiótica actuais parecerem não dar conta do valor da palavra transformação e falarem em elementos, o que é uma pena).
Vou guardar para outro artigo falar das 5 transformações.
Desde a perspectiva das 5 transformações, quanto maior for a capacidade de nos adaptarmos à dinâmica da Natureza que está em constante mudança mais saudáveis conseguimos ser.
Na macrobiótica, com as 5 transformações aprendi a comer e a viver de forma a estar mais adaptada a cada ciclo; aprendi a ajustar-me à realidade para ter mais saúde; aprendi a viver em fluxo; aprendi a ver doenças como desequilíbrios e a voltar ao equilíbrio através de alterações alimentares e de estilo de vida.
Na macrobiótica é sinal de doença a rigidez, a incapacidade de mudar, a incapacidade de adaptação.
Quando aprendemos a dizer sim à realidade, mais conseguimos concordar e colaborar com a “ordem da Natureza”, ela também em constante mudança para atingir o equilíbrio.
Trazer à consciência a mudança
Assim, meu convite hoje é o de escrever sobre a transformação que a Pandemia ou outro acontecimento lhe trouxe. Traga à consciência, com carinho, com compreensão, tudo aquilo que mudou.
Viver é fluxo, viver é reinventarmos-nos; viver é transformação; viver é adaptarmos-nos à realidade; viver é não resistir…
Se preferir ouvir-me
Se preferir ouvir-me deixo aqui o podcast comigo a “ler” este artigo
2 Responses
A Dulce é uma inspiração. Obrigada pela sua partilha, honestidade e vulnerabilidade. Estou à procura de algo, ainda não encontrei, mas as palavras da Dulce estão a ajudar-me na procura desse caminho.
Olá Ana.
Obrigada pelo comentário. Que possa encontrar o que procura (a maioria das vezes está muito perto).
Um abraço