Se há estação do ano desafiante para muitas pessoas, essa estação é o Inverno.

Frio, chuva, vento, árvores despidas, folhas em decomposição, dias curtos e escuros. Nostalgia, tristeza e até pensamentos depressivos. Dificuldade em manter pés e mãos quentes, frieiras, infeções do trato respiratório e dores nos ossos.

O que acabei de escrever é apenas um pequeno apanhado do que esta estação pode significar para algumas pessoas.

Neste artigo partilho consigo algumas estratégias e receitas que a podem ajudar a viver melhor (não apenas a sobreviver) e até passar a gostar mais desta estação mal-amada.

Inverno: estação, passagem ou transformação?

Vamos fazer uma reflexão sobre as “Estações” e talvez assim o(a) ajude a olhar para o Inverno de outra forma.

A palavra “Estação”, utilizada para indicar o momento do ano que se se está a atravessar, fica associada a uma “paragem”. Afasta-nos, por isso, daquilo que observamos na natureza: todos os fenómenos são cíclicos.

No ocidente vemos o tempo como linear, e muitas vezes olhamos o Inverno como “a passagem obrigatória” até à Primavera; isto é, somos obrigados a passar por ele, mas fazemos isso contrariados, infelizes e com um único objetivo: a Estação seguinte.

No entanto, o tempo é cíclico, vou dar exemplos. Como seres humanos podemos observar ciclos pequenos, como o dia e a noite, as marés; ciclos maiores, como as estações (Primavera, Verão, Outono e Inverno); e ciclos ainda maiores, como nascimento, infância, adolescência, juventude, idade adulta (maturidade), velhice e morte. Os ciclos maiores contêm muitos ciclos pequenos.

Neste ciclo das Estações, o Inverno é a estação que mais nos fala da morte: a vida esconde-se, fica latente e para muitos seres vivos é o momento de deixarem os seus corpos físicos. Mas até neste aparente “fim” observamos a magia dos ciclos: a natureza transforma estes materiais sem vida e a entrarem em putrefação, em nutrição para que a vida de outros seres seja possível.

O final de uma vida é sempre o início de outra(s) vida(s).

O ciclo na verdade nunca se fecha, é contínuo. Como diz Thich Nhat Hanh: Graças à impermanência, tudo é possível.

Quanto melhor viver esta transformação, mais preparado estará para a próxima.

Observe a natureza

Na macrobiótica somos sempre convidados a observar o que a natureza faz, e é isso que nos serve como guia.

O convite que a natureza faz é o do recolhimento. Este chamamento é de tal forma forte que há animais que hibernam e passam esta estação abaixo do solo, debaixo de pedras ou em grutas, mantendo apenas as funções vitais básicas a um ritmo muito mais lento.

Muitas árvores perdem as folhas na totalidade. A vida visível desaparece. Não se pode perder energia com o festim dos rebentos, das folhas novas ou da fruta. No inverno a vida passa-se dentro, escondida e protegida

O que podemos aprender com esta observação? Deixo aqui uma pequena lista, mas não deixe de fazer a sua ou acrescentar a minha:

• Largue aquilo que o(a) está a desgastar.
• Diga que não quer sair quando está muito frio, conviva mais com quem está próximo.
• Use um Haramaki (faixa de tecido à volta do abdómen, que protege os rins e órgãos reprodutores).
• Vá para casa mais cedo, não multiplique as atividades ao final do dia.
• Deite-se mais cedo e acorde mais tarde.
• Evite festas “pela noite dentro”.
• Leia mais, escreva mais, reflita mais, faça projetos, medite mais, contemple mais. Sugiro que escreva sobre o que quer deixar (observe as folhas que as árvores deixam cair) e os projetos que quer realizar.
• Em dias de sol, faça as atividades referidas no ponto anterior, banhado pelo sol.
• Realize atividades físicas que requeiram menos gasto energético, mas mexa-se todos os dias e até diria várias vezes por dia, tendo o cuidado de alongar (nesta altura do ano é muito fácil ficarmos contraídos, contrarie esta tendência).
• Faça um escalda pés com água e sal imediatamente antes de dormir.
•  Evite andar descalço em locais que possam arrefecer os pés.

Na alimentação:

• Use alimentos da estação: raízes e as suas ramas castanhas, nabiças, couves verdes-escuras.
• Use e abuse do fogo: prepare alimentos que demoram mais tempo a cozinhar, corte os pedaços dos vegetais maiores para fazer estufados longos e utilize mais o forno.
• Use técnicas de confeção que usem menos água (tem a receita do Nishime no canal YouTube da Mil Grãos https://www.youtube.com/watch?v=WACPxb3UEIc&t=7s).
• Use alimentos mais densos como as raízes e as couves (deixe a courgette e a alface para o verão, têm demasiada água).
• Prepare refeições quentes e evite alimentos frios e que arrefecem (alimentos crus, frutas tropicais, bebidas frias).
• Use leguminosas, principalmente as mais miúdas, como o feijão azuki, o feijão frade, o feijão preto e, se conseguir encontrar à venda, feijão de soja preto.
• Use mais alimentos de cor escura: prefira as sementes de sésamo negro às sementes brancas, e o rábano negro ao rábano branco, por exemplo.
• Evite alimentos industrializados, com açúcar e gorduras de má qualidade.
• Não consuma nenhum produto lácteo.
• Coloque no seu prato uma porção maior de cereal bem cozido (preferencialmente na panela de pressão).
• Use e abuse de sopas e caldos nutritivos.
• Beba bebidas quentes.
• Use mais trigo sarraceno, aveia e arroz glutinoso.
• Use um pouco mais de sal (nunca ultrapassando o razoável e sempre sal integral).
• Use um pouco mais de gordura para cozinhar.

Receitas com trigo mourisco ou sarraceno

Partilho consigo um ebook de receitas de pequeno almoço feitas com trigo sarraceno e sem glúten. Lembro-me de nas aulas no Instituto Macrobiótico de Portugal, o Francisco Varatojo dizer que o trigo sarraceno “leva o sangue até às extremidades”, sendo recomendado para esta estação do ano, por ajudar a aquecer e a evitar pés e mãos frios.

Tenha atenção ao seguinte:

• Se está menstruada ou próximo dessa fase do ciclo, evite o consumo de trigo sarraceno. Pode aumentar muito o fluxo de sangue.
• Se tem um problema de pele (psoríase, dermatite, etc.) e estiver numa fase aguda da doença, não consuma trigo-sarraceno. Ele ajuda a que a eliminação seja mais rápida e nem sempre com sintomas agradáveis.
• Se tem problemas de bexiga, o trigo-sarraceno é um cereal muito bom. Se não tivesse experimentado em mim, nunca diria com esta confiança.
• Pode encontrar trigo sarraceno sob várias formas: em grão; tostado (neste caso tem o nome de Kasha e o sabor é mais forte); em esparguete (com o nome de soba), em farinha (muito utilizada para fazer pão sem glúten).
• Tem muitos benefícios em pessoas com uma vida ativa (desportistas)
• Pode ser usado quando se pretende recuperar de um estado de debilidade devido a doença, neste último caso recomendo usar junto com arroz integral.