Durante os últimos dois anos facilitei 18 Workshops de Pão de levedação natural. Dois foram Workshops Online de Pão, já depois de ter sido levantado o Estado de Emergência por causa da Pandemia.
Após o meu segundo workshop online, já tinha marcado outro para hoje, dia 19 de Abril. Quando marquei este terceiro workshop online, percebi que havia aquilo a que se chama pãodemia. A seguir ao papel higiénico ter esgotado, esgotou a farinha e o fermento de padeiro.
Há pouco mais de um mês, muito antes da pãodemia, apercebi-me que algumas pessoas têm mais tempo neste momento e querem fazer coisas que nunca tiveram tempo para fazer.
Resolvi então iniciar um fermento natural (massa mãe, isco, crescente, lêveda, massa azeda, …) de raiz, filmar passo-a-passo o processo e partilhar. Podia ter corrido mal e até não ter conseguido. Quem me acompanhou no canal de YouTube, sabe que foi tudo filmado de forma sequencial:
Recebi centenas de mensagens privadas com perguntas, com fotografias das massas mães, com pães feitos com essas massas mães, etc. Gosto de ajudar e gosto que me façam perguntas.
Apesar de não ter muito tempo, sempre que posso respondo cuidadosamente às dúvidas e ajudo a ultrapassar bloqueios no processo. Recebi imensas mensagens de agradecimento, dizendo que com a forma como expliquei ficou tudo muito claro.
Como disse, só há pouco mais de 5 dias é que me apercebi que há uma pãodemia. Vi alguns vídeos e partilhas e depois percebi o porquê de algumas dúvidas que me chegaram sobre pães demasiado ácidos, pães que ficam baixinhos, pães que não crescem, … Dúvidas essas que surgiam depois de terem seguido métodos ensinados por outras pessoas, ou visto vídeos no YouTube.
Eu própria pensei em fazer um vídeo a ensinar a fazer pão de levedação natural, mas sou demasiado responsável para fazer um vídeo sobre uma aprendizagem que necessita de tempo e de conhecimento que não se adquire a ver um vídeo.
Os meus workshops duram mais de 4h30, estamos todos a fazer pão ao mesmo tempo, passamos por todo o processo, tiramos dúvidas ao longo do mesmo. A seguir aos workshops tenho um grupo privado onde continuo a tirar dúvidas, onde todos os participantes sabem que terão apoio até conseguirem fazer o pão dos seus sonhos.
Eu não sei mais do que muitas pessoas que fazem pão, mas de certeza que apoio mais do que a maioria das pessoas que ensinam a fazer pão. O workshop tem um custo? Claro! Mas fica muito diluído no número de horas de apoio que todas as pessoas têm. Sou bem paga pelo serviço que presto? (vou ser sincera): não, de forma alguma! Se fizesse contas pararia já com esta atividade. Se vivesse disto, com a dedicação que tenho face ao que recebo, morria à fome.
Percebi que existem imensas pessoas, cheias de boa vontade a querer ajudar, e que o façam! É tão bom partilhas de saberes.
No entanto, percebi também que pessoas que nunca estudaram ou fizeram pão, mas são reconhecidas noutras áreas, estavam a aproveitar a “onda”, mesmo que ainda não soubessem muito bem o que dizer.
Ouvi um vídeo de uma, que também resolveu ensinar a fazer massa mãe, que dizia (estou a citar): “não tenho quase nenhuma experiência, mas tenho lido muito sobre o assunto“. Essa pessoa é tão conhecida, que centenas de outras pessoas conhecidas partilharam os vídeos dela e, como consequência, a falta de conhecimento dela. Agradeço a honestidade da frase que ela disse (mas não a falta de honestidade de ensinar o que não sabe), porque foi ela que me fez reflectir sobre aquilo que ando a fazer.
Nesse dia pensei: vou retirar-me, vou parar com os Workshops de Pão Online. Há tanto ruído, que eu não quero ser mais uma voz no meio desta confusão.
Entretanto, seguiu-se a minha reflexão. Recebi muitas mensagens de concordância, partilha do mesmo sentimento de estarem a ser bombardeados com imensas coisas gratuitas, lives, etc., outras pessoas a discordarem, e muitas outras que me fizeram refletir sobre o porquê da pãodemia.
A insegurança que se vive nestes momentos fez que a seguir ao medo (corrida ao papel higiénico) surgisse a necessidade de assegurar o alimento (pão).
Mas o Pão, também é sinónimo de nutrição e de partilha. Estamos num momento em que a partilha, mais do que nunca, faz sentido.
É com esse sentimento, do pão como sinónimo de nutrição e de partilha, que fico no final desta reflexão. É importante continuar a ensinar. Cada pessoa é livre de ir buscar conhecimento às fontes que quiser.
Se repararam, neste artigo só coloquei fotografias de pães feitos por alunos dos Workshops de Pão Online. Porque é possível aprender online, desde que exista o apoio pós-workshop.
Podem aprender a partir de casa, precisam apenas de farinha, água e sal e massa-mãe.
Quem vive em Lisboa e ainda não tem a sua massa mãe suficientemente activa, a Alecrim aos Molho Bio está a oferecer massa mãe a quem comprar 5 kg de farinha da Casa da Mó. Eles fizeram um Workshop meu e têm sido divulgadores do meu trabalho, o que muito agradeço.
É esse o meu dom para o mundo: estudar e ensinar. Da minha parte, vou continuar a ensinar como sempre fiz. Noutros artigos deste Blog já me ouviram dizer que sou professora de coração.
Voltemos então aos Workshops Online de Pão: o meu próximo Workshop Online é no domingo, 26 de Abril às 14h.
Esta reflexão termina com um dos textos que está no meu Guia de Pão de Levedação Natural, que todos os participantes recebem no Workshop:
“E o que é trabalhar com amor?
É tecer o pano com fios arrancados do vosso coração, como se os vossos bem amados fossem usar esse pano.
É construir uma casa com afeto, como se os vossos bem amados fossem viver nessa casa.
É semear sementes com ternura e fazer a colheita com alegria, como se os vossos bem amados fossem comer a fruta.
É dar a todas as coisas um sopro do vosso espírito, e saber que todos os abençoados defuntos estão à vossa volta a observar-vos. (…)
O trabalho é o amor tornado visível.
E se não sabeis trabalhar com amor mas com desagrado, é melhor deixardes o trabalho e sentar-vos à porta do templo a pedir esmola àqueles que trabalham com alegria.
Pois se fizerdes o pão com indiferença, estareis a fazer um pão tão amargo que só saciará metade da fome.”
(Kahlil Gibran)
2 Responses
“Agradeço a honestidade da frase que ela disse (mas não a falta de honestidade de ensinar o que não sabe), porque foi ela que me fez reflectir sobre aquilo que ando a fazer.” – deixaste-me a refletir também!
Querida Krystel, obrigada pelo teu comentário:)